Críticos de Veneza aplaudem filme sobre índios brasileiros
Gazeta do Povo - 1 setembro
O longa de produção italiana retrata o conflito entre índios e fazendeiros, e explora o choque entre dois mundos sobre o pano de fundo das disputas pela terra, encolhimento das florestas e a miséria
Um novo filme italiano leva à tela o conflito entre índios e fazendeiros no Brasil, explorando o choque entre dois mundos sobre o pano de fundo das disputas pela terra, o encolhimento das florestas e a miséria. “Birdwatchers”, que faz parte da mostra competitiva do Festival de Cinema de Veneza, foi aplaudido calorosamente quando foi exibido para a imprensa na segunda-feira, gerando esperança de que um dos quatro trabalhos italianos da competição oficial possa levar o prêmio máximo do festival, o Leão de Ouro.
Ambientado no Mato Grosso do Sul, o filme foca um grupo de índios guarani-kaiowá que não têm outra perspectiva na vida senão trabalhar para fazendeiros, em condições de escravidão, e ganhar alguns trocados posando para fotos com turistas.
Impelidos pela fome e os suicídios que se repetem em sua comunidade, os índios decidem deixar sua reserva e acampar diante de uma fazenda para reivindicar a devolução de suas terras ancestrais.
Metade documentário e metade ficção, o filme traz 230 guaranis em seu primeiro trabalho como atores, ao lado de atores italianos e brasileiros, entre eles Matheus Nachtergaele, em papéis secundários. Os atores falam suas línguas locais, e o filme é legendado.
O diretor italiano Marco Bechis, filho de mãe chilena que cresceu no Brasil, disse que seu filme trata “dos sobreviventes de um dos maiores genocídios da história.”
Quando os portugueses chegaram ao Brasil, em 1500, a população indígena era de estimados 5 milhões de pessoas. Ao longo dos séculos os índios foram escravizados, foram alvos de campanhas de extermínio e vítimas das doenças e do descaso.
Hoje, segundo o grupo Survival International, eles chegam a cerca de 460 mil, de mais ou menos 230 tribos.
Suicídios
Os principais personagens guaranis, que viajaram a Veneza para a estréia do filme, descreveram sua situação numa coletiva de imprensa em clima de emoção.
“Me faz chorar saber que tantas crianças estão morrendo, tantos de nós estamos morrendo”, disse Eliane Jucá da Silva, fazendo força para não chorar. “Somos seres humanos, não apenas índios. Temos pensamentos, idéias, nossa cultura, nossa língua. Só queremos uma possibilidade de continuar a viver.”
“Vocês brancos - nós vestimos suas roupas, comemos como vocês, e por que isso? Porque nossa terra, nossa floresta que era cheia de árvores, não existe mais”, disse ela, falando com a ajuda de um intérprete. “Só queremos um pedaço de chão para plantar nossas roças e caçar.”
“Birdwatchers” mostra a devastação causada pelo álcool e a depressão na comunidade indígena, onde aumenta o número de suicídios de jovens frustrados por viverem em reservas, sem conseguir alimentar suas famílias e confusos pelo mundo diferente que os cerca.
“Os suicídios acontecem porque não existe justiça. A única justiça é para os empresários que investem bilhões”, disse Ambrósio Vilhalva, que representa Nádio, o chefe guarani que lidera a revolta.
Bechis disse que seu filme mostra que a cultura dos indígenas não desapareceu, apesar de eles frequentemente usarem roupas ocidentais.
“Talvez estejamos acostumados demais a vê-los com penas e flechas, sendo que eles só se fantasiam assim para que os fotografemos. Acho que a intensidade de suas tradições religiosas, espirituais e culturais se mantém quase intacta.”
“Birdwatchers” é um dos quatro filmes italianos da competição principal. Os dois outros exibidos até agora, “Giovanna’s Father”, de Pupi Avati, e “A Perfect Day,” de Ferzan Ozpetek, dividiram a opinião dos críticos.
Ver artigo na Gazeta do Povo